Daniel Cariello*
Às quatro horas e quarenta e cinco do dia onze de maio de dois mil e dezesseis, no Largo do Machado, o cantor Marcelo Guima aumenta o som do amplificador, anuncia “essa fala de amor, tudo que precisamos nesses tempos” e solta o playback e a voz em um sucesso de novela. Um mendigo de casaco vermelho, sentado no chão, bate palmas e canta o refrão, como uma senhora sentada ao meu lado e um hypster bigodudo de bicicleta.
Às cinco em ponto, um cabeludo loiro começa a fazer bolhas gigantes de sabão, roubando a atenção das pessoas sentadas nos bancos do lugar. Marcelo Guima encerra a música e agradece ao público, sem resposta. O mendigo de vermelho acende um cigarro, perde o equilíbrio, cai, levanta novamente e então sai andando, pé ante pé, em linha perfeitamente torta. Uma das bolhas do loiro passa pelo indigente e explode nos cabelos grisalhos de um senhor de terno e pasta de couro, que não reclama, mas faz cara feia.
Às cinco e dez, o motorista de um dos muitos ônibus que têm o Largo como ponto final grita para o colega:
– E aí, vai cair ou não?
– É, rapaz, parece que agora vai…
Dois jovens debatem o fato mais importante não apenas do dia de hoje, mas da história recente do país.
– Outro golpe, isso é uma vergonha!
– Chegou a vez da nossa geração ir pras ruas.
O casal abraçado comemora.
– Chega dessa roubalheira, amor.
– Chega!
O avô dá explicações ao neto.
– Isso já aconteceu outras vezes no nosso país.
– Quando, vô?
São cinco e quinze do dia onze de maio de dois mil e dezesseis.
Daqui algumas horas, sem nenhum crime que o justifique, teremos destituído uma presidente. Provavelmente.
Daqui alguns dias, aconteça o que acontecer, os personagens dessa praça, o cantor, o mendigo, o fazedor de bolhas, os motoristas de ônibus, todos continuarão por aqui, cumprindo seus papéis de maneira competente. Provavelmente.
Daqui alguns anos, nos perguntaremos como pudemos deixar isso acontecer, mas a vida seguirá. Por fora, igual como sempre. Por dentro, tudo diferente. Provavelmente.
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Daniel Cariello já foi office-boy, guitarrista e tecladista em banda de rock, publicitário, jornalista e escritor, além de cronista para veículos como Le Monde Diplomatique online, Meia Um e Veja Brasília. Lançou dois livros de crônicas pelo selo Longe, do qual é um dos criadores. Colabora com a RUBEM às 5ª feiras.
Belas palavras. Descrevem bem o que estou sentindo agora. Dá vontade de chorar…
Em mim, dá vontade de lutar, Margarida. Vamos montar nossas trincheiras e resistir.
É sempre cedo ou tarde demais para se tirar conclusões precipitadas sobre a História.
A crônica veio bem vinda, café fresco, quente, em dia que nasce frio. Tocou o leitor fininho no laço. E enfim, menos um, escapamos… Parabéns! Abraço, Auri
Obrigado, Auri. Hoje eu conferi e as pessoas continuam frequentando a praça aqui ao lado da minha casa. Mas envelheceram mil anos de ontem pra hoje. Talvez seja o frio, como você relatou. Ou talvez seja tristeza. Um abraço!
Sutil fotografia, Daniel. Cálida, ainda que sofrida.
Abração, Rubem
Obrigado, Rubem. Um abraço!