(Imagem: Marcelo Oliveira)

Marco Antonio Martire*

No dia 10 de janeiro comemorou-se o Dia Mundial Sem Calças. A curiosa data foi celebrada em muitas cidades ocidentais, entre elas Londres e Nova Iorque. Apesar do frio que faz no hemisfério norte, a galera descolada não vacilou, invadiu metrôs e calçadas sem as calças, vestindo apenas cuecas e calcinhas. A ousadia começou como uma brincadeira, mas conquistou inúmeros fãs e em 2016 já está no seu décimo terceiro ano.

No Brasil a adoção da festa não seria uma grande novidade, já que em qualquer praia de nosso litoral o cidadão está acostumado com homens e mulheres em respeitáveis roupas de banho. O pessoal por aqui lança até moda nessa área. Temos também o carnaval, impossível não lembrar.

Mas é legal acompanhar os malucos ao de lá da linha do Equador subvertendo o conceito de moral pública, desfilando seminus por espaços onde a nudez não é comum. Eu rio do espanto dos pedestres expostos à falta de pudor, essa falta de pudor que desafia a lógica de caminhar por aí vestidos como um dia alguém mandou.

Sim, há opositores ferozes da data sem vergonha. A nudez induz ao pecado, a nudez é suja, a nudez é coisa do demônio e tal. Mas a maioria concorda que a nudez feminina é linda. Preciso pensar se vale a pena, em troca dela, conviver com a nudez masculina de pé ao meu lado no metrô. Tenho dúvidas.

Talvez seja melhor manter tudo como está.

Ou não?

Uma iniciativa como essa exige do festeiro ou da festeira sem calças que se livre do peso da cobrança ocidental sobre o corpo. Não há dúvida, nós permitimos que se exibam os corpos masculinos e femininos, desde que eles sejam perfeitos. O altíssimo padrão é afirmado sem parar pelos meios de comunicação. Ninguém acima dos quarenta quer competir com o sujeito vendendo saúde aos vinte e poucos anos. Tome defeito. Melhor meter uma roupa no jovem abusado e assim enfrentam a juventude alheia com uma fina carteira recheada, compram roupas de grifes famosas que passam o recado: sou melhor que qualquer um.

Reside aí a zebra de movimentos que pregam tal despojamento. Tirar a roupa está ok, mas e a perene competição entre os seres humanos? Ela é estimulada desde que nascemos, dos dedões do pé até a ponta dos cabelos. Prossegue na escolha das cuecas e calcinhas. Tiremos então as cuecas e as belíssimas calcinhas. Vão se magoar com o talento dos outros. Ainda não dá para mudar o erro de nascer assim ou assado. Ou já dá?

Seja como for, o Dia Mundial Sem Calças acena para nós lá do norte do planeta. O pessoal brinca de contrariar os conceitos aparentemente imutáveis da sociedade. Já falei que há quem fique pê da vida com a falta de vergonha dessa galera safada. São tarados, eles dizem. São pervertidos, insistem.

É uma questão de costume, alegam os injustiçados seminus diante dos nossos legisladores honestos. Caso de mudança de lei, uma necessidade pura de nosso querido século XXI. Terão mais chances se apelarem com fé a seus respectivos chefes de Estado, eu creio. A presença ou não da faixa presidencial na festa é obviamente negociável, claro.

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Marco Antonio Martire nasceu no Brasil em 1973 e formou-se em Comunicação Social pela UFRJ. Seu livro de estréia, Capoeira angola mandou chamar, ganhou o Prêmio Lucilo Varejão para obra inédita concedido pelo Conselho Municipal de Cultura da Cidade do Recife, tendo sido publicado em 2000. Marco edita suas obras de forma independente desde 2012 e publica suas crônicas no BLOGUI DO MARCO (www.obloguidomarco.blogspot.com), no CABANA DO LEITOR (http://cabanadoleitor.com.br/) e aqui na RUBEM quinzenalmente às quartas-feiras. Vive na cidade do Rio de Janeiro.