Raul Drewnick*

O amor, aquele patife, aquele tratante imundo, nos manda para o outro mundo e não paga nem o esquife.

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Às vezes, a gramática permite que desvendemos alguns dos seus segredos, os menores, assim como uma garota consente em deixar que o namorado apalpe seus seios por cima da blusa, enquanto ela conta inflexivelmente até cinco.

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Os pontos de exclamação parecem estacas fincadas no texto: daqui ninguém passa! Quando se juntam dois ou três, é puro despotismo.

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Alguns poetas têm pejo de assim se proclamar e agem sempre com muito cuidado quando vão tirar algo do bolso, para não serem denunciados pela indiscreta queda de pétalas de rosas e estilhaços de estrelas.

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Deram aos verbos defectivos um nome tão feio que não é de estranhar eles se portarem tão mal.

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Às vezes ele, sozinho, lembrando-se da amada, diz o nome dela, como se a chamasse.
Mas diz baixo, mais receoso que esperançoso. Se ela se materializasse diante dele, ele não saberia o que dizer nem fazer. Nunca soube, nunca disse, nunca fez.

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Ele pede a ela um favor íntimo, um regalo amoroso. Ela diz não. Ele volta a pedir. Ela diz não. Ele insiste, implora. Ela diz não. Dirá não até que ela mesma decida que quer o que ele quer. Há mil e uma noites os dois se entretêm e se acabam nesse jogo.

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Está certo que Sicrano é um nome forjado, mas isso não dá a ninguém o direito de chamá-lo de Siclano.

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Um dos problemas dos poemas concretos é estarem sujeitos à lei da gravidade.

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Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas“Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.