Raul Drewnick*
Começa a se habituar com a morte do amor. Já não vai abrir a porta quando o vento a toca e aprendeu que o ruído na janela, de madrugada, é só a ameixeira cabeceando de sono.
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Quando viu que não conseguiria arrastar para baixo a lua, resignou-se a descer com uma estrela, a menor delas, imaginando como a amada o censuraria por mais essa inaptidão.
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Que belos os necrológios em que surge a palavra amor. A cada vez que ela aparece, mais o defunto se enobrece e mais injusto parece o desígnio do Criador.
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Se ele soubesse dar saltos mortais no trapézio, gostaria de dar o último e espatifar-se num picadeiro em que estivesse escrita com letras enormes a palavra ESPERANÇA.
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Não há nada mais maçante nem mais metido a besta que um provérbio. Todos eles deveriam, para que pudéssemos escapar, andar uniformizados de fraque e cartola.
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Tu dizes que o amor te mata, e te lamentas, e choras. O que, criatura, deploras? Tu queres morte mais grata?
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Poesia talvez seja isso que continuamos fazendo mesmo depois que Drummond morreu.
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Porém há sempre um calhorda a quem o amor, com jeitinho, manda subir no banquinho enquanto prepara a corda.
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Muito cedo a poesia percebeu que podia confiar em Mario Quintana, talvez pelo modo com que ele olhava para as estrelas e às vezes piscava marotamente para uma delas.
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* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas“Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Maio Quintana ficaria muito contente, se soubesse que deixou um compentente e sensível seguidor de seu olhar poético. Viva Raul !
Nelson, o Mario Quintana tem sido minha maior influência nos últimos tempos. Tomara que eu aprenda mesmo um pouco da simplicidade dele.
Muito belos! Que brilho…
“Não há nada mais maçante nem mais metido a besta que um provérbio. Todos eles deveriam, para que pudéssemos escapar, andar uniformizados de fraque e cartola.” – Imagine que confusão não fariam entre cronópios e famas, não é, Raul? Abs sempre gratos a quem me emprestou o primeiro Cortázar que li. Malu Furia
Domingo bom de chuva e Raul, com a corda do amor ao pescoço.
Belíssimo.
Marco, obrigado pela constante gentileza. Malu, você sempre foi especial: podia-se falar de livros com você… Mariana, que fonte você é. Henrique, eu lhe agradeço muito. Abraços para todos