
Maicon Tenfen*
— Essa depressão da senhora… Algo a ver com sua profissão?
— Como já disse, doutor, fui professora primária durante toda a minha vida.
— Mas agora a aposentadoria chegou.
— Pois é. Chegou. Ainda assim continuo pensando em me pendurar pelo pescoço.
— Calma, minha senhora, não diga isso. Nunca tentou encontrar outro emprego?
— Eu até que gostava de dar aula. O problema eram os alunos. Não, estou generalizando. O problema era um aluno em especial, um que passou pelas minhas mãos há mais de 15 anos.
— Mas isso é muito tempo. O que ele fez de tão grave?
— Pra ser franca, sempre me incomodei menos com o que ele fazia e mais com o falatório que se espalhava pela cidade. Esse meu aluno se tornou uma espécie de celebridade. Tudo o que aprontava para mim caía na boca do povo.
— Jesus Cristo! Não vai me dizer que a senhora é…
— Sim, eu mesma…
— A professora do Joãozinho!!!
— É por isso que estou nesse estado. Não aguento mais ser apontada na rua.
— Nossa! Nem tenho palavras… estou emocionado…
— Diga, doutor: por que logo eu? Com tanta professora dando sopa por aí, por que o Joãozinho foi entrar logo na minha sala?
— Ele era tão capeta assim?
— Uma vez exibi um mapa da América Latina e pedi que ele mostrasse o Peru. Dá pra imaginar o que ele fez, né? Mas o pior foi quando tentei incentivar os estudos do danado. Fui dizer que, na idade dele, o John Kennedy só tirava dez.
— Aí ele respondeu que, na idade da senhora, o Kennedy já era presidente do país mais rico do mundo…
— Doutor!? Como é que sabe disso?
— A senhora não se lembra de mim?
— Sua fisionomia não me é estranha…
— Pô, professora! Sou eu, o Joãozinho.
— Ah, não, assim já é demais. Venho procurar ajuda e caio logo numa piada. E ainda por cima numa piada sem graça! Sai da frente que vou me atirar por aquela janela…
— Não faça isso, professora, me escute pelo amor de Deus!
— Esquece. Nem adianta vir com aquela conversa de que a minha missão foi cumprida porque você tem um diploma ali na parede…
— Não é isso, professora. É outra coisa mais importante que a senhora deve fazer antes de pular.
— E o que é, meu filho?
— Pagar a consulta.
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* Maicon Tenfen é escritor, autor de livros de contos, novelas e romances, além de crônicas, também publicadas no Jornal de Santa Catarina e Diário Catarinense. Por duas vezes recebeu o primeiro lugar no Concurso de Contos Paulo Leminski. Venceu também, em 2005, o Concurso de Contos de Araçatuba (SP), com A Vida e a Morte de Nick Fourier. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às terças-feiras.
Consuelo Pondé de Sena
27/05/2014
Jovem e criativo , gostei do texto .
marcoantoniomartire
27/05/2014
Muito boa ideia, bem realizada. Abração!
rubempenz
30/05/2014
Delicioso!